A hora e a vez do Jornalismo Cultural, entre outras pechinchas.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Mineirada maneira, uai

Sabe-se lá Deus o porquê. Mas eu ligo Quaresma às Minas Gerais. Não insista em tentar saber por que. Talvez por causa da Páscoa, já que há toda uma espiritualidade no ar, ligando com o fato de Minas Gerais ser o solo de várias Igrejinhas forradas de ouro, o que conseguiu ficar por aqui.

Não sei.

E ao falarmos de Minas Gerais, lembramos imediatamente do Clube da Esquina, um movimento musical que surgiu na segunda metade dos anos 60, em pleno Tropicalismo, Ditadura e Generais.

A música que deu o estopim para o movimento foi a de Milton Nascimento e Fernando Brant, em 1967. Mais tarde, ela foi gravada em inglês também, nas vozes de Bituca - apelido carinhoso de Milton Nascimento, dado por amigos - e Sarah Vaughan.


TRAVESSIA
Quando você foi embora fez-se noite em meu viver
Forte eu sou mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar

Minha casa não é minha, e nem é meu este lugar
Estou só e não resisto, muito tenho prá falar
Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar

Vou seguindo pela vida me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver

Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar

Uma das verdades contadas no livro "Os sonhos não envelhecem - Histórias do Clube da Esquina", do igualmente mineiro Marcio Borges, é que o clube surgiu no quarto dos homens, no apartamento dos irmãos Borges, centro de Belo Horizonte. Tudo bem que o edifício Levy ficava, justamente, numa esquina. Mas não foi por causa dessa esquina que o Clube ganhou tal fama.

Até meados da década de 1970, e seguindo a tendência de Milton Nascimento, outros artistas puseram o pé na estrada para defender o movimento, que ganhara força, apesar da segunda posição de Travessia no Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo ainda em 1967. No Brasil, vice-campeão de qualquer coisa cai no esquecimento. Mas com Bituca foi diferente, e levou consigo uma legião de músicos que tocavam seus violões e cantavem mineiramente poesias de amor, denunciavam ideais sociais mancos,...

Beto Guedes. Fonte: http://www.beto-guedes.blogspot.com/

Entre esses artistas está Aberto de Castro Guedes. O rapaz, tímido - ainda assim até hoje - fez uma participação especial no LP Clube da Esquina, de 1971; lançou um álbum com Danilo Caymmi, Novelli e Toninho Horta. Até então, a música desses mineiros era quase uma música caipira: violão, violão e violão.

Mas o divisor de águas do Clube da Esquina, a meu ver, foi quando surgiu o primeiro disco solo de Beto Guedes, "A Página do Relâmpago Elétrico", em 1977, com fortes influências do quarteto The Beatles, relançado em 1986. Arrisco-me a dizer que o Clube da Esquina se divide em a.B. e d.B., ou seja, antes e depois de Beto Guedes.



LUMIAR
Anda, vem jantar,
Vem comer, vem beber, farrear
Até chegar Lumiar
E depois deitar no sereno
Só pra poder dormir e sonhar
Pra passar a noite
Caçando sapo, contando caso
De como deve ser Lumiar
Acordar, Lumiar, sem chorar,
Sem falar, sem quer
Acordar em lumiar
Levantar e fazer café
Só pra sair caçar e pescar
E passar o dia
Moendo cana, caçando lua
Clarear de vez Lumiar
Amor, Lumiar,
Pra viver, pra gostar,
Pra chover, pra tratar de vadiar
Descansar os olhos, olhar e ver e respirar
Só pra não ver o tempo passar
Pra passar o tempo
Até chover, até lembrar
De como deve ser Lumiar
Anda, vem cantar,
Vem dormir, vem sonhar, pra viver
Até chegar em Lumiar
Estender o sol na varanda até queimar
Só pra não ter mais nada a perder
Pra perder o medo, mudar de céu, mudar de ar
Clarear de vez Lumiar

Sua discografia não é tão extensa quanto ao Milton Nascimento. Mas Beto Guedes e sua guitarra elétrica deu um outro rumo ao Clube da Esquina, mostrando que, além de ser capaz de fugir do violão, as músicas poderiam ter outros arranjos e outros instrumentos, como os casos de Wagner Tiso, parceiro de Milton no estúdio em "Coração de Estudante", e de Flavio Venturini, inicialmente com o grupo 14 Bis e, depois, em carreira solo.  Ambos pianistas.

Fonte: http://amusicaquevemdeminas.blogspot.com/

Um dos grandes mistérios da história fonográfica nacional é essa capa aí, do LP "Clube da Esquina", lançado em 1972: quem são essas crianças? Há quem jure pelo ouro de Minas que são Milton Nascimento e...? Seria, mesmo, Milton?

Há na cultura atual, como um todo, uma grande onda revival. Velhos costumes, cores e roupas estão voltando. Com a música não é diferente. Apesar de vários artistas regravarem músicas do Clube da Esquina, mesmo na época, como o caso de Elis Regina, fica aqui a esperança de vermos - e ouvirmos - os integrantes originais desse movimento musical nacional.

O primeiro a retornar do hiato foi, justamente, Beto Guedes, lançando o CD "Dias de Paz" em 1998, sete anos após "Andaluz". Milton Nascimento praticamente não parou a sua produção. O maior intervalo entre discos é de 2 anos, mas ficou afastado da mídia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário