Eu sou suspeito pra caramba, mas adorei o post anterior do Léo e fui obrigado a continuar o assunto Clube. O nobre colega tripicalista colocou muita coisa pertinente, como a importância de Beto Guedes, a citação ao ap dos Borges, o certo sumiço da turma na mídia nacional, etc etc. Mas entre um tópico e outro, me deu uma baita coceira e por isso vou botar uns complementos neste angú de Minas.
Primeiramente, a importância do Bituca na história toda é incontestável: ele foi realmente a "bússola" do clube e por quem todos acabaram virando o leme. Se até a virada da década de 60, Milton ainda estava curtindo os louros da vitoriosa "Travessia" no festival de 1967, com gravações no exterior e o início do verdadeiro culto ao seu nome por parte dos músicos de jazz ( os mesmos que bateriam depois na casa dos Borges a procura da lendária "esquina"), nos bastidores o compositor já arregimentava aos poucos sua turma "ponta firme", que frequentaria seus discos por muito e muito tempo.
Tirando seu amigo de infância Wagner Tiso, desde sempre com ele, os primeiros "convocados" foram Márcio Borges, Fernando Brant e Ronaldo Bastos, os letristas oficiais de Milton por um bom tempo. O primeiro, seu primeiro letrista, além de abrir-lhe a casa ( junto com seu irmão mais velho Marilton, o primeiro a conhecer Bituca), foi quem incentivou Milton a cantar e lhe apresentou bases imprescindíveis ( cinema, literatura, política e boemia); Fernando subiu com Milton a glória do início, letrando "Travessia" ( a primeira letra da sua vida!) e nunca mais deixou de participar da carreira do amigo; e o carioca Ronaldo Bastos, o mais poeta dos três, polvilhou o lirismo que faltava na política/psicodelia de Márcio e nas crônicas sociais mineiras de Brant.
A este primeiro núcleo, uniram-se os primeiros instrumentistas, que junto com o jeito "diferente" de Milton tocar, deram o complemento perfeito à música nova que ali se formava. Toninho Horta, exímio guitarrista ( e que também tocava totalmente diferente - outro fenômeno para os gringos), já por perto desde os festivais; Nelson Ângelo, outro das cordas, que conheceu Milton em 63 em Beagá e reencontrou-o no Rio e São Paulo em 68, época em que apresentaram juntos a música "Sentinela" no Festival da Record ( com Cynara e Cybele também) ; Naná Vasconcelos, o elétrico percussionista Naná, que frequentou o ap dos Borges e deu uma força tremenda nesse início discográfico; Novelli, baixista recifense, também presente nesta primeira fase ( e que iria cair de cabeça no Clube no show e disco "Milagre dos Peixes" de 1973 e Clube da Esquina 2, de 1978); a potente cozinha de Luis Alves ( baixista) e Robertinho Silva ( bateria) sócios do Clube desde sempre e fundadores da banda que entre 1969 e 1973 fez de tudo um pouco e do pouco tudo: Som Imaginário - uma das primeiras bandas progressivas do Brasil, que teve na sua formação músicos excepcionais como os dois já falados + Wagner Tiso ( o líder), Naná ( no início), Toninho Horta, Fredera ( guitarrista que tocaria com Gonzaguinha por anos a fio), Zé Rodrix ( multi-instrumentista recém falecido, que dispensa comentários) e Tavito ( que fez com Zé Rodrix "Casa no Campo" e a homenagem ao Clube "Rua Ramalhete").
O grupo, antes de arrebentar nos discos Milton (1970) e Clube da Esquina (1971), teve a honra de gravar primeiramente uma música da parceria Lô Borges e Beto Guedes, com letra de Brant ( em 1970), "Feira Moderna", que também participou de festival; e fechando a lista dos que foram cooptados por Milton nestes primórdios, o próprio Lô Borges, molecote de tudo, e já quebrando a boca do balão: além da citada "Feira Moderna" fez "Para Lennon e McCartney" (com Márcio Borges e Fernando Brant) , "Alunar" (com o mano Márcio) e a canção instrumental que nomeou tudo, "Clube da Esquina" ( com Márcio e Milton) todas de 1970. Junto a essa renca toda não podemos nos esquecer dos grandes arranjadores Eumir Deodato e Paulo Moura, que criaram mágicos desenhos musicais da pauta desses soberbos artistas.
Pois bem... fiz essa "pequena" introdução sobre a formação do Clube da Esquina para tentar mostrar o quanto o movimento é complexo e cheio de meandros e como realmente ele foi espontâneo. Tudo isso que eu citei se passa antes de 1970!!!! o tão propalado disco Clube da Esquina iria ser maturado e lançado só no ano seguinte e essa turma citada, em menor e menor grau já estava trocando experiências e influências há uns bons dois ou três anos. E respeitando também a válida reverência ao Beto Guedes (citado por Léo como um divisor de águas), acho que diante deste início complexo, podemos dividir o "Clube da Esquina" em três fases:
#Formação: 1967 a 1970 - fase dos primeiros discos de Milton Nascimento, já com músicas e participações de vários elementos do Clube ( principalmente Milton Nascimento 1969 e Milton 1970); e também do primeiro disco do Som Imaginário (1970).
#Consolidação: 1971 a 1976 - fase do clássico Clube da Esquina (1971), o disco-chave, e que realmente mais juntou forças; do estranho e belo primeiro disco de Lô Borges ( o do tênis - 1971); do disco incomum e surreal "Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli, Toninho Horta (1973) e dos irrepreensíveis "Minas" (1975) com grande destaque à Beto Guedes e "Geraes" (1976), o disco que abriu as portas da America Latina para o Clube. Ah, e mais três discos do Som Imaginário, cada vez mais experimentais, jazzísticos e anti-comerciais.
#Abertura: 1977 até hoje: o Clube abre as portas e a música se expande. Fase do excepcional " A Página do Ralâmpago Elétrico" de Beto Guedes (1977) e "Amor de Índio" (1978) onde o compositor finalmente solta sua garganta e seu rock ao lado dos velhos letristas e instrumentistas do Clube.
Do "Clube da Esquina nº2" (1978), que embora sem a chama espontânea do primeiro, trouxe lampejos geniais de muitos e ainda contou com as participações fora-de-série de Chico Buarque, Drummond, Gonzaguinha e Elis Regina; do melhor disco de Lô Borges, "A Via Láctea" (1979), com arranjos excepcionais, letra para a velha Clube da Esquina e a suavidade de Solange Borges; do primeiro disco de Tavinho Moura, o mais "raiz" dos sócios;
Do disco "Os Borges", reunindo todos os músicos da família Borges, a mesma que deu guarida para Milton em seus tempos de pindaíba em BH e que deu ao mundo 7 músicos ( esse emocionante disco, de 1980, tem também uma participação arrasa-quarteirão da sócia-benemérita Elis Regina); dos dois primeiros discos do 14-Bis ( e olha aí: com aqueles três letristas again) e o primeiro solo de Flávio Venturini ( que brilhou no Clube 2 e trouxe a tiracolo um novo poeta: Murilo Antunes).
Então, o Clube expandiu-se pelo universo, e mesmo uns ajudando os outros, vieram subdivisões normais com o tempo. Beto Guedes e Lô, que nunca foram fâzaços dos esquemas e periodicidades das gravadoras, começaram a distanciar cada vez mais seus lançamentos. Milton correu mundo, virou um dos musos das Diretas Já ( com Brant), excursionou demais, gravou discos à beça ( sempre com alguns membros do velho Clube) e só deu uma pausa mesmo quando ficou doente. Voltou com força agora em 2010, numa volta às suas raízes trespontanas, onde gravou disco com filhos de seus amigos e músicos locais ( e Wagner Tiso, claro). Se anos 90 ele gravou uma espécie de Clube da Esquina 3 ( o disco Angelus, com partipações internacionais e vários clubistas), esse último, "E a Gente Sonhando...", é certamente o Clube 4.
O Clube da Esquina anda fora da mídia? que bom. Essa mídia atual não merece mesmo essa turma genial, que sempre tocou muito mais com o coração que com o bolso. O Clube da Esquina é atemporal.
ps: só dois recadinhos ao incansável Leo: depois de rever toda essa história, discordo de vc quanto ao Clube fazer música de violão/violão/violão antes do Beto gravar solo. Vide os arranjos de Paulo Moura e Eumir Deodato, a guitarra jazzistica de Toninho Horta, a cozinha multiuso de Luis e Robertinho; a multiplicidade de Rodrix; e as quebradas e atonicidades do mestre Milton Nascimento; e as próprias participações dos jovens Beto e Lô, impregnadas de Beatles.
E quanto à foto dos dois meninos na capa, o livro do Márcio explica bem: ela foi feita pra confundir - inclusive como uma das primeiras capas brasileiras sem título algum frontal - mas obviamente não são Lô e Milton - a foto deles seria mais desbotada e o primeiro é uns dez anos mais novo que o outro.
Obrigado, Léo, por ter me instigado a escrever...
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