A hora e a vez do Jornalismo Cultural, entre outras pechinchas.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

15 anos sem Renato Russo


Renato Russo já tinha deixado muita gente de queixo caído, quando apareceu em São Paulo em 85, com a voz idêntica ao Jerry Adriani e um ar de intelectual que não combinava muito com o rock pop que vinha do Rio há pelo menos dois anos ( Blitz, Kid Abelha, Lulu Santos – à exceção talvez de Herbert Vianna e seus óculos). Mas na verdade, nós, acostumados com o rock feito por gente feia ( Garotos Podres, Inocentes, Cólera, Ira, Ultraje, Kães), estranhamos muito mais as letras “cabeças” feitas por aquele sujeito, que propriamente o seu físico de professor de geografia. 

Nos perderemos entre monstros
Da nossa própria criação.

Nunca antes, letras de rock  em português tiveram um efeito tão devastador em nossa alma: Será, Teorema, Bader Meinhoff Blues – o cara esquisito de Brasília chegou verborragiando tudo. Logo, a Legião Urbana virou trilha sonora constante em nossas vidas ( e mesmo agora, quinze anos depois da morte do Renato Russo, a aura legionária continua pairando forte).

Em 86 saiu o LP Legião “Dois”, o disco mais bem acabado da banda, tanto no visual como no conteúdo. Mais “folk” e climático que o antecessor, esta bolacha de capa bege virou nosso disco de cabeceira. Eu e meu amigo de rock, Átila, particularmente, viramos fãs incondicionais, a ponto de cantar e tocar o disco de cabo a rabo. Esta relação com a Legião culminou com a nossa presença na turnê de lançamento do “Dois” em Santo André, no clube Aramaçan. A gente ficou bem perto do palco, na turma do gargarejo, dançando e pulando feito doidos. Lembro nitidamente dos “clarões” que se abriam no meio do público, quando alguma música mais forte e pesada (tipo Química, que eles já tocavam em show) fazia alguns mais exaltados (como nós) soltar o seu punk interior e dançar pra valer o “pogo” (quem não sabe o que é isso, pergunte pro tio que já foi punk). Eu, reco, com um tufo alto de cabelo no alto da careca e coturno nos pés (culpa do Tiro de Guerra) e o Átila, ostentando seu indefectível topete e blusão de couro, realmente parecíamos saídos de algum show do Clash em Londres (que aliás, tinha acabado de acabar neste mesmo ano). Renato Russo parece ter gostado do entusiasmo na platéia, pois mais de uma vez, se atirou com o microfone no chão do palco e soltou o vozeirão na horizontal, enquanto se contorcia freneticamente - no seu caso, este desmoronamento obsceno significava contentamento pleno. Saímos extasiados daquele show, um dos grandes shows de nossas vidas.

Continuamos comprando, gostando e gastando os discos dos legionários – no ano seguinte saiu o “Que País é este” recheado de petardos como a faixa título, Conexão Amazônica e Faroeste Caboclo, todas dos tempos do Renato em Brasília (as duas primeiras no Aborto Elétrico entre 78 e 82 e a última como Trovador Solitário, um pouco antes da Legião).




Faroeste Caboclo virou hino pra gente - inventamos até um concurso no terraço da casa de outro amigo nosso, o Luiz, pra ver quem cantava sem errar a quilométrica letra. Participantes da gincana: eu, Átila, Luiz e Zé. Como não tinha juiz e todos queriam cantar, deu briga na hora de apontar o melhor. No fim, abolimos a disputa do primeiro lugar e continuamos cantando à capela várias pepitas do arcabouço de ouro do senhor Russo, caprichando obviamente na empostação à la Jerry Adriani.


A canção virou filme, uma adaptação rodada numa cidade do interior de Goiás com altos índices de violência, às margens de Brasilia. Conta com atores globais como Marcos Paulo, Antonio Calloni e Isis Valverde.


Isis Valverde no papel de Maria Lucia, com João de Santo Cristo,
vivido pelo ator  Fabrício Boliveira, segurando a Winchester 22

Em 1989, as letras de Renato se tornaram mais amarguradas e com um certo tom profético. Tempos do LP cinza, “As Quatro Estações”, para muitos, o melhor disco da Legião. De fato, nele estão pelo menos nove das músicas mais conhecidas da banda, entre elas Há Tempos e Pais e Filhos. O disco captura turbulências no ar e consequentemente uma grande transição na vida de Renato. Só para citar algumas nuvens negras que circulavam na época, no ano anterior a Legião fez um show trágico em Brasília, que resultou em tumulto generalizado e revolta por parte de uma boa parcela da multidão presente, fazendo a própria banda se tornar mais introspectiva; na sequência, o baixista Renato Rocha entrou em conflito com os outros membros e saiu da banda em plena gravação do disco cinza; Renato Russo, sempre a flor da pele, absorveu como esponja essas energias estranhas e se juntarmos no liquidificador as drogas, as desilusões amorosas, a busca da religiosidade, a sexualidade à tona e a transição política (Collor x Lula), temos enfim as letras mais honestas, densas e filosóficas que o compositor fez na vida. 


Os anos 90 logo chegaram e ainda viram um pesado disco da Legião chegar nas paradas ( o “V”, que surpreendeu mais uma vez a gravadora, com suas longas e anticomerciais faixas, como no sucesso anterior Faroeste Caboclo) e outro tranqüilo e suave (“O Descobrimento do Brasil”).

Renato Russo e a Legião continuavam como trilha de fundo na minha vida, mas nesses loucos anos iniciais dos 90 eu tinha engatado o final de uma faculdade de jornalismo, um emprego de verdade na Editora Abril depois de anos em bicos, estágios e subempregos, e as noites intermináveis da boemia, agora ao lado de amigos da facul como Ricardinho e Nilsão. A trilha tava lá como sempre, e nesse tumulto todo ainda tive tempo de curtir intensamente o primeiro disco solo de Renato, The Stonewall Celebration Concert (1994), com 21 músicas em inglês, que iam desde os standards americanos até o pop de Madonna e o folk de Bob Dylan e Nick Drake. Um disco que eu considero um dos melhores lançamentos dessa década, mas que foi totalmente subavaliado pela crítica. 



Quando o segundo solo, o italiano, estourou entre 1995 e 1996, mesmo período do melancólico e belo último disco da Legião (A Tempestade), eu estava prestes a casar e tinha montado uma banda com os já citados Ricardo e Nilson. No primeiro (e último show) da nossa Banda W.O. (o estranho nome era em homenagem às constantes faltas aos ensaios), com platéia cheia de amigos, mandamos ver no rock and roll, e entre os petardos do repertório, claro, tinha pelo menos quatro canções da Legião Urbana. Se nos faltava técnica, sobrava emoção e tesão. Eu, particularmente, amava cantar qualquer coisa feita pelos legionários, mesmo me esgoelando. Sem a gente imaginar, acabamos prestando um homenagem ao nosso grande ídolo Renato Russo, que faleceria em 11 de outubro do mesmo ano. Pelo menos duas gerações perdiam naquele 1996, uma voz guia, que com suas canções incrivelmente humanas e recheadas de sentimento, fez nossos dias mais agradáveis e perenes. Em 1997, ainda saiu "Uma Outra Estação", disco com faixas antigas mescladas à gravações da mesma seção do "A Tempestade". 




Hoje, crianças cantam trechos;  jovens botam na roda violão; idosos assobiam algum refrão, comerciais colocam como trilha ( vide “Eduardo e Mônica”, que virou filme publicitário). As músicas feitas por esse brasiliense visionário estão soltas e livres por aí. 


Renato Russo vive.




Pesquisa: Marcos Massolini, Rick Berlitz e Léo Engelmann
Texto: Marcos Massolini
Pesquisa multimídia: Léo Engelmann



Um comentário:

  1. Ah, pena que saiu tarde. Mas ainda em tempo!
    Peguei o link lá do Facebook do Léo.
    Adorei suas lembranças da Legião. Eu sou bem mais novo, fui "aluno" do Léo na facul, só pra terem idéia, então não vivi ao vivo a Legião, mas sou legionário de corpo e alma e é sempre ótimo relembrar como a banda influenciou tanta gente!!!

    Urbana Legio Omnia Vincit!

    ResponderExcluir